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A revolução otimista vem com a  simplicidade
CIÊNCIAS SOCIAIS

A revolução otimista vem com a simplicidade

Embora já tivesse outros livros na bagagem, o sociólogo Domenico De Masi se tornou mundialmente conhecido com “Ócio criativo”, lançado no Brasil pela Sextante no ano 2000, no qual analisa as relações entre sociedade e trabalho e defende a potência de valores como satisfação, amizade, amor e atividades lúdicas. Agora, com o lançamento de “Uma […]

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Embora já tivesse outros livros na bagagem, o sociólogo Domenico De Masi se tornou mundialmente conhecido com “Ócio criativo”, lançado no Brasil pela Sextante no ano 2000, no qual analisa as relações entre sociedade e trabalho e defende a potência de valores como satisfação, amizade, amor e atividades lúdicas. Agora, com o lançamento de “Uma simples revolução”, evoca a capacidade arrebatadora da simplicidade. “Quem transforma uma realidade complexa em simples, além de ser um gênio, é um benfeitor da humanidade. É um revolucionário. Quem complica uma realidade simples, tornando-a complexa, imprime à realidade a marca de sua personalidade complicada”, instiga o escritor.

Assim como fez no primeiro título, a provocação de agora é uma resposta ao tempo presente. Nesse caso, um tempo presente, aparentemente, guiado pela complexidade. Ao menos é sobre essa percepção que o sociólogo se debruça. Em oposição a ela, a simplicidade. Ele desdobra o conceito, apresenta outros pontos de vista e amplia o horizonte da conversa, mostrando um caminho possível para a sociedade pós-industrial onde vivemos.

O  livro se constrói a partir de apontamentos de De Masi sobre temas diversos, como tempo, ócio, simpatia, paradoxos e globalização. Em comum, a escrita saborosa, repleta de detalhes, construída a partir de leituras de outros autores, que nos faz refletir sobre nossos modos de viver, de sentir e de ser.  É uma leitura otimista, que descobre janelas onde antes não havia – em determinado momento, ele nos lembra que, a despeito de todos os problemas que enfrentamos, estamos num período muito melhor em relação ao passado se levarmos em conta critérios como meio ambiente, violência, longevidade, doenças e educação.

A dificuldade de fazer um texto sobre as ideias contidas no livro é, a fim de resumi-las, justamente cortar o encadeamento tão bem feito naquelas páginas. Então, não se esquive de lê-las na íntegra. Por aqui, seguem alguns trechos comentados.

Tempo

No primeiro tópico de “Uma simples revolução”, De Masi nos lembra como o tempo é relativo e, portanto, carregado de subjetividade, tal qual a felicidade. Após recuperar exemplos sobre transformações ocorridas na história e verificar o aumento da expectativa de vida, uma constatação prevalece:  “Nunca, em épocas anteriores – embora a vida fosse mais breve e os ritmos, marcados pelas estações e pelos dias, fossem mais lentos –, se teve a sensação de que o tempo passasse tão veloz e fosse tão escasso como hoje”.

Esse contraponto parece provocar certo mal-estar, amplificado pelas tecnologias disponíveis que prometem intensificar e (por que não?) criar novas experiências. Como aproveitar o tempo? É uma angústia disseminada, um denominador comum entre pessoas com vidas díspares. O tempo nunca é o bastante, apesar de termos mais tempo do que antes. É a cristalização da sociedade industrial que, como ele nos lembra, é dominada pela pressa e ornamentada pela sensação permanente de falta. O que falta? Falta muita coisa, especialmente tempo.

“Todos os dias têm o mesmo número de horas. É assim hoje para mim como foi no passado para Michelangelo ou para Borges. Mas eu não sei extrair delas as mesmas obras-primas. Há pessoas que vivem com calma, saboreando gole a gole o seu tempo, como cavaleiros serenos sobre montarias irrequietas. E há pessoas que vivem apressadas, atormentadas pelo tempo que voa:  como cavaleiros irrequietos sobre montarias serenas”, analisa De Masi. Um pensamento vem à tona: a qual tempo você pertence e como o usufrui?

Celular

Para De Masi, o aparelho é a realização tecnológica do sonho da onipresença e da invisibilidade, características presentes nos mitos e nos super-heróis dos quadrinhos. O celular é a concretização desse desejo e traz perdas e ganhos com os quais precisamos lidar.

“Graças às diabruras do pequeno, dócil e mágico celular, podemos nos conectar de qualquer lugar com seja qual for o ponto do planeta sem que o nosso interlocutor saiba onde, realmente, nos encontramos. Para os nativos digitais, o fato não desperta surpresa, mas para nós, imigrantes digitais, apresenta todos os traços do mágico e do milagroso”, relata o sociólogo.

As possibilidades do aparelho são infinitas e tendem a ultrapassar limites. Isso é óbvio quando você pensa que os primeiros modelos apenas faziam e recebiam ligações – no máximo, tinham joguinho, calculadora, agenda, ou seja, o básico do básico. “Passamos a confiar ao celular nossa memória e nosso senso de orientação”, sintetiza ele. A dificuldade é usá-lo com propriedade, sem deixá-lo nos usar. De certa forma, De Masi explica, o celular torna árduo adquirir hábitos naturais ao gênero humano, mas atravessados pela potência tecnológica, como “preservar a privacidade, isolar-se, perder-se, esquecer, ignorar, entediar-se”.

Simplicidade

Na passagem dedicada ao tema central do livro, De Masi apresenta as expectativas para o ano de 2025, quando seremos oito bilhões no mundo. O número pode soar assustador, mas o sociólogo acolhe uma visão mais esperançosa, desabilitando temores de um futuro com mais problemas que soluções. Ao considerar que 63% desses oito bilhões viverão em cidades, o autor nos lembra que isso elevará notavelmente a qualidade de vida, da formação e do consumo para um percentual considerável da humanidade. Apenas uma ilusão?

A escrita do sociólogo vai ao encontro do bem-estar dessa potência: “Nunca, até então, a humanidade tivera à disposição a capacidade analítica e a criatividade de tantos cérebros que, todas as manhãs, despertam e começam a pensar, todas as noites adormecem e começam a sonhar. Essa imensa inteligência coletiva tem em si um potencial para criar problemas mais complexos, mas também para dar uma contribuição resolutiva à simplificação da complexidade”, ele frisa.

O vislumbre panorâmico do sociólogo sobre os anos que ainda virão inclui uma engenharia genética capaz de curar doenças, robôs dotados de empatia e a conquista da paridade de gêneros. Para De Masi, o avanço da inteligência artificial sobre o trabalho pesado e repetitivo, mas também sobre as atividades intelectuais, podem permitir a homens e mulheres dedicar-se mais às funções expressivas, afetivas e criativas. Segundo o sociólogo, se a sociedade pós-industrial é mais complexa do que a industrial, os instrumentos disponíveis para dominá-la são mais poderosos do que os de épocas anteriores.

Aos arautos de um futuro apocalíptico, o escritor italiano projeta uma paisagem que, em tudo, se distancia da negatividade.

“Por mais poluídas que estejam as nossas cidades, por mais rudes que sejam as nossas relações humanas, por mais tristes e desoladas que sejam as nossas periferias urbanas, o nosso ambiente natural e social é, de longe, muito mais sadio, pacífico e belo do que aquele descrito em ‘Hamlet’, em ‘Dom Quixote’ ou em ‘Os noivos’. E, também, mais feliz, ao menos porque vivemos o dobro dos nossos antepassados e porque hoje qualquer funcionário público, como eu, pode escolher, a seu bel-prazer, alimentos e objetos os mais variados, abundantes, úteis e bonitos de quantos pudesse ter o Rei Sol”.

Este post foi escrito por:

Filipe Isensee

Filipe é jornalista, especialista em jornalismo cultural e mestrando do curso de Cinema e Audiovisual da UFF. Nasceu em Salvador, foi criado em Belo Horizonte e há oito anos mora no Rio de Janeiro, onde passou pelas redações dos jornais Extra e O Globo. Gosta de escrever: roteiros, dramaturgias, outras prosas e alguns poucos versos estão em seu radar.

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