Mulheres não são chatas, mulheres estão exaustas | Sextante
Livro

Mulheres não são chatas, mulheres estão exaustas

Ruth Manus

DIREITOS, TRABALHO, FAMÍLIA E OUTRAS INQUIETAÇÕES DA MULHER DO SÉCULO XXI.

Misturando humor, argúcia e profundidade, Ruth nos faz refletir e questionar (pre)conceitos e (in)certezas, recorrendo tanto a autores consagrados quanto à boa e velha sabedoria de boteco. Uma leitura atual e necessária.

 

“Com abordagem franca, Ruth Manus vem realizando um grande trabalho de conscientização. Este belo livro vem coroar sua trajetória de despertar mentes e aprofundar temas tão caros para a restituição de humanidades invisibilizadas.” — Djamila Ribeiro

“Este livro é um ato generoso de alguém que, apesar de toda justa exaustão, ainda constrói uma ponte. Depois da leitura, também quero ir além da exaustão e demolir todos os muros que existem em mim.” — Zack Magiezi

 

“Esta frase – ‘Mulheres não são chatas, mulheres estão exaustas’ – vem sendo uma companheira diária que me faz refletir sobre os papéis que desempenhamos. Acima de tudo, ela me faz questionar.

Por que estamos tão cansadas? Por que sentimos que o mundo está pendurado nos nossos ombros? Por que ainda temos tantos medos e tantas dúvidas, mesmo nos assuntos mais básicos? Por que ainda pensamos tantas vezes antes de dizer alguma coisa?

Por que ainda achamos que nosso trabalho é um concorrente da nossa família? Por que ainda nos cobramos um tipo de corpo que sabemos que não precisamos nem conseguimos ter?

Só de pensar nisso tudo já dá para ficar exausta. E não teria como não ficar. Mas pode ser mais leve se a gente abandonar alguns penduricalhos que realmente não precisam estar ali. Vamos tentar, juntas, nos libertar deles.”

Ruth Manus

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Ficha técnica
Lançamento 11/11/2019
Formato 14 x 21 cm
Número de páginas 192
Peso 380 g
Acabamento brochura
ISBN 978-85-431-0864-3
EAN 9788543108643
Preço R$ 49,90
Ficha técnica e-book
eISBN 978-85-431-0865-0
Preço R$ 29,99
Ficha técnica audiolivro
ISBN 9788543109398
Duração 05h 23min
Locutor Ruth Manus
Lançamento 11/11/2019
Título original
Tradução
Formato 14 x 21 cm
Número de páginas 192
Peso 380 g
Acabamento brochura
ISBN 978-85-431-0864-3
EAN 9788543108643
Preço R$ 49,90

E-book

eISBN 978-85-431-0865-0
Preço R$ 29,99

Audiolivro

ISBN 9788543109398
Duração 05h 23min
Locutor Ruth Manus
Preço US$ 7,99

Leia um trecho do livro

Tantas lutas

Já sentiu sua dose de culpa hoje?

Começo esta conversa com uma pequena lista de todas as culpas que eu estou sentindo neste exato momento: me sinto culpada porque deveria ter ido à academia hoje cedo, mas não deu tempo; me sinto culpada por não ter ligado para minha mãe hoje de manhã; me sinto culpada por não ter trazido marmita para o trabalho e por saber que vou comer fora no almoço, gastando mais dinheiro e consumindo mais calorias do que deveria; me sinto culpada por ter almoçado lasanha ontem e por ter comido meio balde de pipoca no cinema no domingo; me sinto culpada por ter comprado um casaco novo pra mim na semana passada e saído do shopping sem resolver o problema das meias do meu marido nem do pijama novo da minha enteada; me sinto culpada porque sei que vou trabalhar até tarde e demorar para chegar em casa; me sinto culpada porque vou viajar a trabalho daqui a uns dias e não estarei presente numa apresentação da escola da minha enteada; me sinto culpada porque estou há uma semana dizendo que vou fazer a unha e nunca faço; me sinto culpada porque não lavei o cabelo hoje cedo e usei um daqueles xampus secos que, no fundo, não adiantam nada; me sinto culpada porque acho sinceramente que vou atrasar o prazo de entrega deste livro, mas esperamos que a minha editora não nos ouça – nem nos leia, no caso.

Feito esse desabafo, pelo qual peço desculpas às leitoras, acho que podemos começar. A questão é que sabemos que existe uma relação muito, muito íntima entre as mulheres e essa tal de culpa. Não estou dizendo que os homens não saibam o que é culpa, ou que nunca convivam com esse sentimento. Mas, por alguma razão, a tal da culpa só aparece para eles de vez em quando (como, aliás, deveria ser com todos nós). Conosco, no entanto, ela é uma espécie de eterna companheira.

É como se ela estivesse pendurada numa correntinha ao redor do nosso pescoço. Um pingente de culpa que a gente nunca tira. Ele fica ali, e a cada vez que a gente se olha no espelho, lá está a culpa, lembrando de tudo o que você não fez, de tudo o que você, em tese, deveria ter feito, de tudo o que você comeu, de todos os momentos importantes nos quais você não esteve presente, de todo trabalho acumulado na sua mesa, de todas as roupas acumuladas numa cadeira qualquer no seu quarto.

Será que nós somos completamente neuróticas? Será que essa angústia que se instala em nosso peito a cada mínimo tropeço não é nada além de puro exagero ou drama, como frequentemente ouvimos dos homens com os quais convivemos? Será que a gente realmente está fazendo tempestade em copo d’água?

Não me parece. A sociedade na qual estamos inseridas é machista, sim, e é patriarcal, sim, e é cruel com as mulheres, sim. Vamos fazer uma pausa para pensar melhor a esse respeito.

Luta, substantivo feminino

“As coisas estão melhorando bastante para as mulheres” é uma frase que eu escuto bastante. Mas será mesmo? Hum. Vamos conversar sobre isso.

Primeiramente, não podemos tomar a nossa experiência de vida como base para falar pelas mulheres como um todo. Basta olhar para o meu caso: sou uma mulher branca, heterossexual, de classe média-alta, vivendo numa capital no Ocidente. É uma ilusão egoísta eu achar que, se as coisas estão lentamente melhorando para mim, está tudo melhorando para todas. Eu sou uma privilegiada e não posso me esquecer disso nunca. Há mulheres negras, que passam por coisas pelas quais eu nunca passarei. Há mulheres homossexuais, que sofrem violências que eu nunca sofri. Há mulheres com deficiências, que enfrentam obstáculos que eu nunca enfrentei. Há mulheres que vivem na pobreza, mulheres cuja própria religião ainda legitima uma série de violências, mulheres que vivem em regiões de guerra ou em outras condições que as colocam em imenso risco.

Como mencionaremos com mais calma adiante, quando falamos em “mulheres”, estamos falando de todas as mulheres. E a vida dessas que eu mencionei frequentemente não tem nada a ver com a minha. Se as coisas estão melhorando um pouquinho para mim, muito provavelmente ainda estão muito longe de melhorar para elas.

Neste livro, eu não quero que haja “eu” e “elas”. Então, quando falo em “mulheres”, no plural, a ideia é manter o olhar nessa pluralidade de existências, compreendendo que a luta tem que ser por todas nós, e não apenas por algumas.

Em segundo lugar, quando achamos que as coisas estão melhorando, acabamos por relaxar. E não, minhas queridas, as coisas não estão melhorando. Somos nós que estamos lutando. São as mulheres que diariamente batalham pelos seus direitos, pela igualdade, pela segurança, pela liberdade. As coisas não melhoram sozinhas. É preciso que algumas de nós berrem #metoo #deixaelatrabalhar #elenão e tantas outras coisas que denunciam nossos medos, riscos e dificuldades. É a nossa luta diária por nós e pelas outras mulheres que permite que, a passos de tartaruga, as coisas comecem a evoluir.

É autossabotagem que chama?

Como eu ia dizendo, vivemos numa sociedade machista, o que não é novidade para ninguém. E não, os homens, de um modo geral, não são nossos inimigos. Muitas de nós até dormem de mãos dadas com essas criaturas adoráveis. Mas todas sabemos que historicamente o poder dos homens – sobretudo dos homens brancos – nunca foi ameaçado. E que, especialmente nas últimas décadas, as mulheres começaram a buscar seu espaço no mercado de trabalho, nos cargos do governo e em tantas outras estruturas de poder nas quais normalmente só os homens transitavam. Estamos gerando um incômodo e sabemos bem disso.

Neste tal mundo competitivo no qual vivemos, existe aquele eterno raciocínio de que é sempre bom enfraquecer os nossos concorrentes, certo? Pensem comigo: alguém que esteja sempre angustiado por essa tal de culpa não se torna automaticamente um concorrente mais vulnerável?

Imagine esta situação: certo dia, para terminar um projeto, um homem e uma mulher que trabalham na mesma equipe precisam ficar até mais tarde no trabalho. Ambos têm filhos de 5 anos. Ambos amam imensamente seus filhos e gostariam de estar com eles em casa. O filho do homem está em casa com a mãe. O filho da mulher está em casa com o pai. Qual dos dois é invadido pelo sentimento de culpa? O homem, que está na sua posição histórica de provedor, com a esposa ou companheira em casa cuidando do filho, ou a mulher, que inverte toda essa posição milenar?

Uma sociedade machista e patriarcal, na qual os homens ainda estão com o poder nas mãos, tem todo o interesse na fragilização da mulher. E o sentimento constante de culpa – com o trabalho, com a família, com o dinheiro, com o corpo, com a imagem, com a aparência – nos fragiliza dia após dia.

Eu mesma já escrevi um texto no jornal português Observador falando exatamente sobre essa sensação de culpa que muitas mulheres começam a sentir acerca do próprio sucesso.

É uma epidemia. A cada dia que passa ouço uma nova história acerca de uma mulher que começou a se sentir culpada pelo próprio sucesso em vez de celebrar as suas conquistas com satisfação. Tem começado cedo, dentro das escolas, e tem acabado tarde, até mesmo depois da aposentadoria.

As justificativas são muitas: não quero que meu marido se sinta diminuído, não quero que meu chefe ache que eu ameaço o cargo dele, não quero que meu pai saiba que estou ganhando mais do que ele, não quero que meus filhos achem que eu ligo mais para o trabalho do que para eles, não quero que minhas amigas se comparem comigo e fiquem frustradas, não quero que meus filhos pensem que eu não tenho tempo para os meus netos.

Trata-se de uma autossabotagem, uma vez que nenhuma dessas mulheres está infeliz com o seu sucesso – muito pelo contrário –, mas sim se sentindo culpada por ele, por uma série de ângulos. As origens dessa culpa estão, obviamente, no pensamento machista que perpetua a ideia de que o homem que alcança o sucesso é digno de respeito e admiração, enquanto a mulher que alcança o sucesso é tida como egocêntrica ou egoísta, por teoricamente colocar seu trabalho na frente do casamento, da família, do planejamento familiar e até mesmo de questões estéticas.

E, assim, milhares de mulheres começam a tentar se convencer de que suas conquistas profissionais não devem ser muito celebradas nem muito divulgadas e, acima de tudo, não devem ser muito desejadas. Culpam-se por serem boas no que fazem, por tornarem-se essenciais às suas equipes, por serem referências nas suas áreas, por serem bem remuneradas pelo que fazem – lembrando sempre que, por mais bem remunerada que seja uma mulher, seu salário sempre estará aquém do que seria para um homem na mesma posição.

Surge, por vezes, na cabeça dessas mulheres, a falsa ideia de que aquilo nunca foi merecido. A famosa “Síndrome do Impostor”, que tenta nos convencer de que só chegamos onde chegamos por um golpe de sorte, pelas portas que nos foram abertas ou por ironia do destino. Nunca por mérito. Um estranho mecanismo que nos faz sentir uma culpa duplicada, seguida da ideia de que talvez o correto fosse tirar nosso time de campo.

Precisamos olhar para o problema da culpa. Precisamos parar com as perguntas do tipo “mas seu marido não reclama que você viaje tanto a trabalho?”, “mas seus filhos não se queixam dos dias em que você chega tarde?”. Cada mulher sabe das próprias escolhas, como cada homem sabe das suas. Precisamos parar de abrir espaço para que os outros – sobretudo os homens – coloquem nossas escolhas em questão.

Nós somos responsáveis pelas nossas escolhas, resultem elas em sucessos ou fracassos. Ninguém vai assumir essas dores ou esses prazeres por nós. Então ao mesmo tempo temos o direito e a obrigação de reger as nossas vidas. Não é justo que a gente se culpe quando dá errado e é ainda menos justo a gente se culpar quando dá certo.

Culpa, substantivo feminino

Outro dia eu me vi em uma cena muito curiosa. Cheguei à academia, eram umas oito da manhã. Entrei no vestiário e havia mais três mulheres lá dentro, uma de uns 35 anos, uma de 40 e poucos, outra de 40 e muitos. A mais velha já estava de banho tomado e quase pronta para ir embora. Havia apenas um detalhe: ela estava toda vestida de roupa social, mas ainda com a touca de banho na cabeça. Uma cena muito peculiar.

Alguns minutos depois ela passou em frente a um espelho, se viu, deu um grito e começou a rir de si mesma, pois percebeu que ainda estava com a touca. Nós, as outras três, começamos a rir junto. E então ela passou a desabafar sobre essa coisa de já estar exausta e tão atrapalhada às oito da manhã. Disse que a filha de 16 anos tinha uma prova, mas não queria ir para a escola porque estava com cólicas, e o filho mais novo também começou a resmungar que não iria se a irmã não fosse. Enquanto isso, seu marido olhava e-mails no celular como se não tivesse nada a ver com o que estava acontecendo. Então ela simplesmente disse “vão os dois para a escola, sem discussão”. Deixou-os lá e foi para a academia, culpada por ter mandado a filha para a escola com cólicas menstruais.

Na sequência, a que tinha uns 35 anos comentou sobre seu filho de 1 ano e meio, que estava com a babá, e que ela se sentia culpada por perder essas horinhas com ele de manhã, mas estava se sentindo mal com os quilos que ainda não perdera da gravidez e achava que realmente precisava voltar a fazer exercício físico.

Depois foi a minha vez. Falei que inicialmente ia passar o dia na empresa do meu marido, ajudando-o com umas coisas, mas lembrei que tinha um prazo do escritório que ia vencer e uma ex-colega de trabalho brasileira estava em Lisboa, mas iria embora no dia seguinte, então era o último dia para tomar um café com ela. Decidi não ir com ele, mas me senti culpada porque tinha dito que ajudaria.

Éramos desconhecidas, partilhando nossas culpas num vestiário de academia. Fico imaginando qual a probabilidade de essa cena se reproduzir num vestiário masculino. Homens dizendo para estranhos que se sentem muito culpados por suas ausências com a família, pelos quilos a mais que ganharam nos últimos anos, pelo excesso de trabalho ou pela falta de firmeza das suas barrigas.

E sabemos que não se trata apenas de um tipo de diálogo não habitual entre os homens, mas sim de um sentimento pouco habitual entre os homens. Alguns deles reconhecem as suas falhas, têm consciência dos erros que cometem, mas culpa… Culpa é um substantivo feminino. Será coincidência?

Sentir-se insubstituível é uma forma de prisão

A psicóloga e ativista Mafoane Odara, no seu TEDx sobre novas formas de maternidade e paternidade, conta que, quando voltou ao trabalho após a sua licença-maternidade, ouviu a seguinte pergunta: “Mas com quem você deixou seu filho?” Ela respondeu, contente, que a criança tinha ficado com o marido dela – e pai da criança. E a pessoa automaticamente respondeu: “Ah, mas não tinha ninguém melhor para você deixar?”

Seria cômico se não fosse trágico. As mulheres já têm um papel tão exaustivo com a maternidade, que chega-se ao cúmulo de achar que deixar a criança com o pai pode ser uma decisão egoísta ou inconsequente. E aí lá vem ela, a culpa. Culpa por deixar as crianças com o pai, ou com os avós, ou na creche, para poder voltar ao trabalho. Será possível uma coisa dessas?

Todo mundo gosta de se sentir insubstituível, mas será que nós somos assim tão indispensáveis? Por incrível que pareça, às vezes, se não estivermos lá, alguém vai fazer o trabalho, vai cuidar das crianças, a casa estará de pé. O mundo vai continuar rodando sem a gente. A crença de que somos insubstituíveis e indispensáveis não apenas não é uma coisa boa como é uma forma de prisão.

Certa vez fui ao Brasil (eu vivo em Lisboa, meu marido é português) fazer uma palestra no fim de julho e já tinha outra marcada no fim de setembro. Então me chamaram para fazer uma terceira no começo de setembro. E na minha cabeça começou o seguinte raciocínio:

“Eu já vou pro Brasil em julho… E fico até 3 de agosto. E depois, dia 20 de setembro já embarco de novo para o Brasil, ou seja, não vou ter nem um mês e meio quieta em Portugal. Bom, se eu tiver que passar mais uma semana no Brasil no meio desse período… Vou estar ausente mais uma vez de casa. E do escritório. E não vou trabalhar como deveria na minha tese de doutorado. Me sinto culpada… Por ficar longe de casa, do meu marido, da minha enteada… E por não manter minha rotina normal de trabalho… E de estudo… Enfim. Já tenho a resposta: vou recusar o convite.”

Fui almoçar sozinha (“mente vazia, oficina do diabo”) e o debate prosseguiu, acalorado:

“Peraí, mas eu também me sinto culpada por dizer não. Porque se eu recusar, estarei negando uma boa oportunidade de trabalho. E vou me sentir culpada por não estar sendo uma mulher-independente-que-pega-suas-coisas-e-simplesmente-vai-e-dane-se-a-casa-a-louça-a-samambaia-e-tudo-o-mais-porque-ninguém-tem-que-depender-de-mim-nem-eu-deles. Sem falar que me sinto culpada de recusar um dinheirinho bom.”

Então decidi: “Vou aceitar.”

Mas, nessa hora, vacilei: “Não, espera, preciso pensar.”

Quando percebi, eu não estava fazendo um duelo de vontades, eu estava fazendo um duelo de culpas. Em nenhum momento eu pensava no que me motivava a ir ou pesava “o que era bom em ir” versus “o que era bom em ficar”. Os amores, as saudades, o dinheiro, as oportunidades. Não! Era tudo para o negativo: qual das opções faz com que eu me sinta um pouquinho menos culpada?

Afinal decidi aceitar. Mas não foi como num passe de mágica: “Ai, decidi, agora estou ótima.” Não. Rolou – como sempre rola – toda uma crise de culpas e responsabilidades. Às vezes é assim com uma viagem transcontinental, às vezes é assim com uma cerveja às 19h de sexta-feira com duas amigas. Será? Será que eu posso? Será que eu devo? Mil crises e perguntas. E quando a gente decide ir, o que acontece? A cada gole de cerveja, 6% de álcool e 94% de culpa. Como não estar exausta?

Como você foi parar no final da fila?

Não sei bem como isso aconteceu. Só sei que um belo dia eu percebi que, se as pessoas e os assuntos dos quais tenho que cuidar no meu dia a dia fossem colocados numa fila, por ordem de importância e da prioridade que dou para cada um, eu certamente estaria no último lugar.

Sei que muita gente deve pensar que isso não é possível, que obviamente eu cuido, com um belo grau de prioridade, de uma série de coisas que, além de serem minhas, são do meu total interesse. É verdade. Mas depois de quase 30 anos eu descobri que existe uma grande diferença entre “eu” e “assuntos meus”.

Somos levadas a fazer uma confusão muito perigosa: quando passamos horas no trabalho, em prejuízo do convívio com a família, frequentemente pensamos que esse tempo foi efetivamente dedicado “a nós”, já que, afinal, o trabalho e a carreira são um projeto nosso, certo? Sim. São, de fato, um projeto nosso. Mas oito horas no trabalho não são oito horas dedicadas a nós. São oito horas dedicadas ao trabalho. Percebem a diferença?

O mesmo acontece com os namoros e casamentos. Passar um delicioso fim de semana a dois, regando a linda plantinha do afeto, é mesmo uma delícia. Mas esse também não é um tempo dedicado a nós mesmas, mas sim um tempo dedicado ao relacionamento. Frequentemente confundimos os momentos de prazer com o tempo de qualidade que dedicamos às nossas próprias questões. O fato de passar um fim de semana gostoso na companhia de alguém amado pode nos revigorar para uma segunda-feira, mas não significa minimamente que tenhamos cuidado de nós mesmas durante aquele sábado e aquele domingo.

A fila da minha vida estava mais ou menos assim quando me dei conta de tudo isso: trabalho, doutorado, casamento, enteada, demais membros da família, amigos, casa, novos projetos e… Falta alguma coisa? Sim. Faltava eu. E olha que eu amo loucamente todas essas coisas da fila: minha carreira, meus livros, meu escritório, minha vida acadêmica, meu marido, minha enteada, meus pais, irmãos, sobrinhos, avó, tios, primos, amigos, minha casinha, minhas ideias para o futuro. Amo todas essas coisas e pessoas e adoro os momentos que dedico a cada uma delas – mesmo que frequentemente eu fique exausta.

Acontece que, nessa brincadeira, percebi que faltava uma tal de Ruth naquela fila. Essa tal de Ruth andava dormindo pouco, comendo mal, não tinha tempo para ir à academia, para marcar dermatologista nem para encontrar amigos. Estava adiando seu check-up anual havia mais de seis meses. Queria cortar o cabelo, mas isso sempre ficava para depois. Tinha uma dor latente no ombro, que sempre calava com um comprimidinho de Dorflex, que aliviava a situação até o fim do dia. Sabia que deveria fazer fisioterapia, mas ia aguentando enquanto se dopava diariamente. Ruth, que adorava ler, estava lendo pouco, quase nada. Em resumo: Ruth estava no fim da fila. Ou talvez nem estivesse na fila.

Mas se alguém me dissesse algo do tipo “você precisa cuidar de si mesma”, eu franziria a testa e daria uma risada, afirmando que cuido muito bem de mim: fui passear com meu marido no fim de semana, dediquei horas à minha tese de doutorado, almocei com uma colega de trabalho, comprei um vaso novo para a sala de casa, visitei minha avó, fiz duas reuniões de trabalho em cafés simpáticos, fui com a minha enteada ao cinema. A minha vida é ótima! Eu não posso me queixar! Tá tudo bem!

Realmente. Tenho uma vida privilegiada e sou grata por isso. Mas percebi que tudo isso que eu achava que eram “coisas para mim”, pelo simples fato de serem coisas que eu faço com prazer, não são, efetivamente, cuidar de mim. Meu ombro continuava fora do lugar, eu continuava sem fazer terapia, exame de sangue, ultrassom do abdômen, papanicolau e colposcopia, continuava almoçando qualquer coisa – sem nunca ter tempo para almoçar com verdadeiros amigos –, não indo à academia e ficando chateada com a minha barriga. E com o meu braço. E com a minha bunda. E com a minha ausência com aqueles que amo. Eu continuava com o corte de cabelo atrasado e continuava sem marcar a dermatologista. E o oftalmologista. E a endocrinologista. E dentista. E a limpeza de pele.

Enfim percebi que eu não estava cuidando de mim, porque eu confundia o que era eu com o que eram os meus projetos e os meus amores. E percebi que esse não era um rumo muito bom. Porque não só vamos ficando com uma coisa mal resolvida dentro do peito como vamos ficando efetivamente exaustas, até começar a perder a paciência, a saúde e o rumo.

Em seu livro Mulheres em ebulição, a psiquiatra Julie Holland afirma sobre esse assunto:

As mulheres estão sobrecarregadas e exaustas. Vivem ansiosas e irritadas, além de deprimidas e emocionalmente esgotadas. O humor e a libido estão no fundo do poço; a energia vital é consumida enquanto elas se esforçam para ser bem-sucedidas no trabalho, para dar atenção à família e às centenas de “amigos” virtuais. Elas se culpam por se sentirem assim, pois acreditam que deveriam ser capazes de dar conta de tudo. Sonham em ser perfeitas e tentam fazer parecer fácil equilibrar todas essas demandas, mas não é tão simples. Fomos programadas para ser dinâmicas, cíclicas, temperamentais, efervescentes. Sim, nós, mulheres, vivemos em ponto de ebulição – e isso não é uma fraqueza.

Ou seja, para além do cansaço, convivemos também com a culpa por estarmos cansadas. É uma espécie de dupla punição. Não nos damos descanso nem das atividades nem da angústia por estarmos cansadas. Todo veículo precisa de combustível e de manutenção. Por que nós, mulheres, resolvemos achar que somos máquinas imparáveis, que aguentam tudo?

Existe uma razão para isso.

Se você não nasceu homem, você já nasceu perdendo

A antropóloga e professora Carla Cristina Garcia, em seu livro Breve história do feminismo, afirma que, até o Renascimento, a ideia que imperava era a de que existia uma profunda desigualdade tanto das capacidades intelectuais e cognitivas entre homens e mulheres quanto da função dos dois sexos em relação aos papéis sociais.

A questão do “papel” é o que nos interessa em especial por aqui. Sabemos que, historicamente, a sociedade sempre girou em torno do homem, de suas questões, necessidades e desejos. Seja o homem como núcleo da família patriarcal, o homem como nobre, líder ou soberano, o homem como aquele que deteve, ao longo de milênios, o poder patrimonial e não patrimonial. A mulher sempre teve um papel secundário, gravitando em torno das demandas masculinas em vez de ser a protagonista da própria vida.

Ainda sobre o papel da mulher, as professoras Flávia Piovesan, Silvia Pimentel e Beatriz di Giorgi, ao analisarem a posição das mulheres dentro do Direito, chegam a uma conclusão bastante importante. Elas afirmam que a ideologia patriarcal, que coloca a mulher como um ser subalterno em termos sociais e políticos, é a maior responsável pela diferenciação de papéis sociais que se criou em função do gênero, e que os valores androcêntricos – ainda hoje dominantes, mas cada vez mais questionados – são os determinantes fundamentais das exigências morais que, ao longo do tempo, foram impostas às mulheres.

Ou seja, até mesmo o sistema jurídico acaba por não reconhecer as particularidades do comportamento e da vida feminina: utiliza-se um padrão masculino como ideal esperando que a mulher se adeque a ele, quando é o sistema que deveria se adequar às diferenças decorrentes do gênero.

Não é de espantar que até hoje consideremos profundamente difícil aceitar a importância que temos – ou que pelo menos deveríamos ter. Os modelos que vimos se repetirem ao longo de todos os anos das nossas vidas nunca nos levaram à valorização das nossas questões, mas sim a uma insistente priorização das questões masculinas que nos rondam, como se elas fossem as primordiais e as nossas fossem meramente acessórias. No Direito há muitos exemplos. O pátrio poder (poder do pai na gestão familiar) só foi substituído pelo poder familiar (poder exercido de forma conjunta) em 2002. A CLT presume que todo trabalhador é homem, havendo apenas um pequeno capítulo sobre o trabalho da mulher. E por aí vai. Sim. Já dava para prever que nós iríamos parar no final da fila.

Meninas realmente acreditam que podem ser tudo o que quiserem?

É interessante reparar que nós não fomos criadas nem educadas para nos colocarmos no mesmo patamar que os homens. É chover no molhado, mas, na maioria das casas, vimos nossa mãe chegar do trabalho e preparar o jantar. Vimos nosso pai e nossos tios papeando na mesa da sala nos domingos, enquanto nossa mãe e nossas tias levavam os pratos para a cozinha. Percebemos, dia após dia e ano após ano, a diferença no tratamento entre nós, mulheres, e nossos irmãos homens. A liberdade conferida a eles e a nós era gritantemente diferente. Sempre foi. E por mais feminista que possa ter sido a nossa criação em casa, continuamos vendo os homens com o poder em suas mãos, seja nos governos, nas empresas, nas universidades ou na padaria da esquina de casa.

Na escola, nas aulas de matemática, aprendemos fórmulas e teoremas com nomes de homens: Pitágoras, Tales, Bhaskara. Em física, Arquimedes, Newton, Einstein. Em química aprendemos o diagrama de Linus Pauling, as teorias de Dalton, Thomson, Rutheford, Bohr. Em história passamos por Tutancamon, Júlio Cesar, Pedro Álvares Cabral, Robespierre, Danton, Napoleão, Hitler, Roosevelt, Obama. Em geografia nos apresentaram Humboldt, a teoria demográfica de Thomas Malthus, Milton Santos na geografia do Brasil e os relevos de Aziz Ab Saber. Nas aulas de literatura lusófona começamos com Gil Vicente, depois passamos por Camões, Almeida Garrett, Eça de Queiroz, Castro Alves, Machado de Assis, Raul Pompeia, Olavo Bilac, Mario de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto.

Como esperar que as meninas acreditem, de fato, que podem ocupar as mesmas posições que os meninos? Umas pinceladas de Cleópatra, Marie Curie e Rachel de Queiroz são capazes de reverter esse quadro? Temos que entender que isso é importante e é delicado. Sim, o cenário está lentamente mudando, mas em 2019 ainda é com esse quadro que as nossas meninas estudam. É mesmo possível que elas acreditem que podem alcançar tudo, em pé de igualdade com seus colegas do sexo masculino? Como dizem por aí, a educação empurra, mas o exemplo arrasta.

Em janeiro de 2005, Lawrence Summers, na época reitor da Universidade Harvard, afirmou que “o baixo número de mulheres nas matérias científicas era explicado por sua incapacidade inata de ter sucesso nessas áreas”. Além do absurdo que a existência de uma fala dessas no século XXI representa, sobretudo no mundo acadêmico, a ciência demonstra, em diversos estudos, que o desenvolvimento cognitivo que permite a compreensão matemática se desenvolve da mesma maneira em crianças de ambos os sexos.

Se um homem na posição de Summers faz uma afirmação dessas em 2005, como se pode esperar que o desempenho escolar e universitário feminino não seja constantemente lesado pelo machismo? Fica difícil acreditar que meninos e meninas tenham, de fato, as mesmas oportunidades, uma vez que até dentro da sala de aula esse fantasma paira sobre elas.

E esse roteiro conhecido, de ver os homens brilharem enquanto as mulheres ocupam posições secundárias, fez com que a nossa cabeça passasse a ter um raciocínio simples e inevitável: mulheres e homens ocupam posições diferentes. E que passássemos a viver com essa ideia como se ela fosse uma verdade.

Essa dualidade de posições acaba posteriormente nos guiando por caminhos estranhos. Mesmo dentro da nossa casa, acabamos por aceitar a ideia de que o homem tem um papel primordial e que nós seguimos sendo secundárias. Eles, via de regra, já vivem com a convicção dessa primordialidade e nós acabamos por acatá-la. Pensando nisso, escrevi, num texto de 2017 (cujo título foi o que fez nascer este livro), o seguinte:

Há um certo tempo venho reparando, com alguma admiração, na capacidade masculina de ter hábitos e eventos intransponíveis. É mesmo curioso reparar que na agenda masculina há dezenas de compromissos inadiáveis: a reunião de trabalho, seus minutos calmos para ir ao banheiro pela manhã, o horário do jogo, sua corrida diária, os e-mails que precisam ser respondidos sem falta durante o fim de semana, a cerveja com os amigos.

Há, de fato, uma espécie de barreira que faz com que ninguém ache que seus compromissos podem ser negociados ou que sua agenda possa ser alterada. E quer saber? Eles estão certos. É quase uma questão de sobrevivência. O respeito por essas coisas da rotina, tão banais, mas tão importantes, é o mínimo que todo mundo deveria ter.

Continuo o texto falando sobre o fato de que nós, mulheres, temos agendas que sempre parecem relativas, em contraponto às agendas deles. Se der tempo, fazemos as nossas coisas, se não der, paciência. O bar com as amigas, a manicure, a série a que gostamos de assistir, o exercício físico. Tudo parece poder ficar para depois, enquanto os compromissos masculinos são imperativos.

É como se as nossas reuniões sempre fossem “um pouco mais adiáveis” do que as deles. Criança doente, vazamento na cozinha, reunião escolar, comprar presente de aniversário para a tia Neusa, visita do técnico que vai consertar a máquina de lavar roupa. Quem muda a agenda por causa disso? Quem mexe na programação do próprio dia para fazer com que tudo se ajeite? É claro que há exceções, mas a regra é tão gritante e tão patente que não há como não falarmos sobre isso.

Soma-se a isso aquela tal ideia – já bastante questionada pela ciência – de que a mulher tem uma vocação natural para fazer várias coisas ao mesmo tempo (o tal multitasking), enquanto os homens são capazes de fazer apenas e tão somente uma coisa por vez. É assim que nasce aquela crença – nefasta e traiçoeira – de que um homem é incapaz de mandar um e-mail enquanto cuida de uma criança, ao passo que uma mulher é absolutamente capaz de cortar cebolas, falar no telefone, ajudar na lição de casa, trocar a água do cachorro, guardar as compras, preparar a lancheira, pagar boletos e abrir a garrafa de vinho, tudo ao mesmo tempo.

Percebem que é uma cilada? E é curioso como os homens, que sempre foram considerados aptos para os mais altos cargos profissionais por suas infinitas qualidades, não têm constrangimento algum de dizer que não conseguem abrir um pacote de amendoim ao mesmo tempo que ficam de olho para garantir que o filho de 2 anos não está comendo o giz de cera. Nessas horas a incapacidade é extremamente bem-vinda e até bastante conveniente.

Precisamos tomar cuidado com isso, porque é um dos elementos que nos fazem acreditar que não há saída: temos realmente que cuidar de tudo. Caso contrário, é o fim do mundo. Mentira. Homens são capazes, sim, de cuidar da casa e das crianças – tanto quanto mulheres. E nós precisamos, sim, de alguns momentos de isolamento, cuidado e serenidade. A suposta incapacidade masculina para as tarefas mais básicas é um dos elementos que mais levam mulheres “para o fim da fila” e, consequentemente, para a total exaustão.

Uma amiga minha tinha uma forma muito interessante de organizar seus compromissos. Ela não apenas tinha uma agenda bem organizada como elegeu uma cor para identificar cada membro da família: a filha era laranja, o filho era verde, o marido era amarelo, coisas da família eram azuis e ela era o roxo. Sempre que anotava um compromisso na agenda, passava uma marca-texto por cima, com a cor correspondente ao “dono” do compromisso: levar a filha no dentista era laranja, reunião da escola do filho era verde, acompanhar o marido num jantar com investidores era amarelo, a festa de aniversário do sobrinho era azul e, se sobrasse espaço para alguma coisa dela, seria roxo.

Lembro bem da cara dela quando me disse a seguinte frase com um misto de tristeza, culpa e exaustão: “Ruth, percebi que o roxo não aparece mais na minha agenda. Virei as páginas para trás e há três semanas não há nada roxo. Tudo verde, laranja, amarelo, azul. É como se eu não existisse, a não ser no papel de mãe e de mulher.”

E, claro, ela também existia como trabalhadora, durante várias horas por dia. Só não existia como ela mesma. Alguns meses depois, pediu o divórcio. Não sei bem se teve a ver com isso ou não. Sei que após um tempo, quando me encontrei com ela, ela sorriu e disse: “Olha, estou com as unhas feitas!” Pode parecer uma bobagem, mas, para quem não cuidava de si mesma havia tanto tempo, aquilo era algo realmente simbólico.

Coma suas bolachinhas, amiga

Uma vez, quando meus pais vieram me visitar em Portugal, aproveitamos para viajar e fomos conhecer a Noruega. Visitamos uma pequena cidade chamada Friedrichstadt e, em meio aos passeios, fomos parar num lago lindo, onde havia uma ponte muito bucólica, e ali aconteceu comigo uma coisa curiosa.

Eu me aproximei da ponte, olhei para baixo e vi uns filhotinhos de pato muito bonitinhos. Fiquei olhando para eles, eles ficaram olhando para a minha cara, como quem diz: “Você vai ficar só olhando ou vai jogar alguma comida?” Abri a bolsa, achei umas bolachas e comecei a jogar uns pedacinhos para eles. Os patinhos foram comendo, até que a certa altura apareceu uma pata grandona, evidentemente mãe deles. Ela veio feito uma louca, nadando rápido na nossa direção. Eu me assustei, achei que ela tivesse se sentido ameaçada por eu estar dando comida para seus filhotes. Talvez ela não permitisse glúten na dieta dos seus bebês, sei lá. Mas logo percebi que, na verdade, a coitada da pata só estava com fome. Ela queria comer também.

Então comecei a jogar pedaços de bolacha para ela. A pata-mãe era muito mais rápida e muito maior que os patinhos, podia comer todas as bolachas que eu jogava. Mas, como mãe, qual foi a reação dela? Ela deixava para um patinho, depois deixava para outro, prestava atenção se o terceiro estava comendo… e ela mesma não pegava absolutamente nenhum.

Eu comecei a ficar um pouco incomodada com aquilo, tanto que passei a falar com os patinhos “Ó, esse é da sua mãe, esse é da sua mãe! Deixa pra ela!”, mas eles não estavam nem aí (é filho que chama, né?). Até que chegou uma hora em que eu me dei conta de que a pata não ia comer nada. Então armei um plano: esmigalhei uma bolacha com a mão e comecei a jogar as migalhas numa direção, para atrair os patinhos todos. Então olhei para a pata-mãe e arremessei uma bolacha inteira na outra direção. Deu certo. Ela pegou a bolacha e os patinhos ficaram com as migalhas. E fomos embora, cada uma para o seu lado.

Guarde essa história. Agora vamos mudar de assunto.

Quando você embarca em um avião, as instruções de segurança dizem: “Em caso de despressurização, máscaras de oxigênio automaticamente cairão sobre as vossas cabeças. Caso haja alguém do seu lado que tenha necessidade de auxílio, primeiro coloque sua máscara para depois auxiliar a pessoa.”

Mas o que isso tem a ver com os patos? Simples: você não consegue cuidar de ninguém se não cuidar de si mesma antes. Se aquela Dona Pata, que veio correndo morta de fome, não tivesse conseguido pegar a bolacha que eu joguei para ela, se não comesse nada, será que conseguiria ser uma boa mãe? Será mesmo que ela estaria no auge do seu desempenho materno, generoso e fantástico… sem comer?

Antes de ajudar o outro, é preciso cuidar de si mesma. Os comissários de bordo nunca falam por que você tem que colocar a sua máscara primeiro, mas a razão é simples: porque senão você morre, e morta você não ajuda a pessoa ao lado. Sabe como é?

O que eu quero dizer é uma coisa muito dura: ninguém vai fazer por você o que eu fiz por aquela pata. Ninguém vai arremessar bolachas quando você estiver faminta.

Então, amiga, não se esqueça. Cuide de você. Coloque sua máscara de oxigênio, coma suas bolachinhas e siga em frente.

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Ruth Manus

Sobre o autor

Ruth Manus

RUTH MANUS é advogada e concluiu seu doutorado em Direito Internacional pela Faculdade de Di­reito da Universidade de Lisboa, onde também cursou pós-graduação em Direito Europeu. É mestre em Direito do Trabalho, com ênfase no trabalho feminino, pela PUC-SP. Também atua como palestrante e é colunista do jornal português Obser­vador. É autora de outros sete livros, entre eles Um dia ainda vamos rir de tudo isso; Mulheres não são chatas, mu­lheres estão exaustas, Guia prático antimachismo e 10 histórias para tentar entender um mundo caótico – este último, em coautoria com Jamil Chade, foi fi­nalista do prêmio Jabuti 2021 –, publicados pela Editora Sextante.  

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Mulheres não são chatas, elas estão exaustas e Ruth Manus pode provar isso em seu novo livro

Diferente dos outros livros de Ruth, que traziam um discurso mais amplo, este foi escrito especialmente para mulheres, abordando questões do cotidiano. A mudança é evidente já na linguagem, que parece uma conversa entre amigas - fato que, claro, não exclui os homens, também convidados ao diálogo. “Ao longo da minha breve carreira de escritora sempre tive muita preocupação em fazer um discurso que abrace homens e mulheres, mas neste livro não. Ele é como se estivesse falando com a minha irmã ou mãe. Acho que o assunto precisa dessa proximidade", conta ela.

Stefani Sousa – Revista Glamour

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